Minerador por natureza, por genética, negócio de família, obrigação. Vivia sob as montanhas, desconhecia o mundo e as cidades sobre si. Conhecia a beleza do ouro e do diamante, e ela lhe era rotina. Um dia deveria se casar com uma jovem de sua vila e trazer filhos ao mundo. Era assim, sempre deveria ser, lhe disseram um dia. Sequer sabia existirem outras maneiras de viver.

A vida era assim: viveria por viver, admirando a beleza do céu como único lazer, um pequeno pedacinho de céu que lhe cabia ver. Até que chegou o dia em que se viu obrigado a sair, ao mundo teve de conhecer. Um singelo trabalho que requeria sua presença no porto.

Admirava o verde das árvores e as belas construções das pequenas cidades como quem vive seu primeiro ou último dia de vida, como quem subitamente nota que vale a pena viver. E como era belo o canto dos pássaros! E como era bela a pele das senhoritas que permitiam ao sol tocá-las! Às vezes elas até mesmo sorriam!

Longa era sua viagem, duas semanas ou um pouco mais (pouco tempo, contudo, para conhecer o mundo). Em seu tempo aprendeu: belas damas não dedicam sua atenção a entediantes mineradores. Chegavam a chama-lo anão, por mais que não correspondesse a altura, diziam que a personalidade de seu povo se assemelhava aos anões de velhos contos de fada. E apenas aceitou, estava acostumado a aceitar.

Foi quando em sua vida ela surgiu, veio junto com a beleza do mar. Uma beleza que a distancia era seguro admirar. Primeiro ele se perdeu na beleza daquela imensidão aparentemente infinita da paisagem, depois naquele canto a ecoar em conjunto com o som das ondas a se quebrar. Desconhecia então, mas aquele era o canto de uma sereia.

Mas ele sabia sem querer: não era seguro se aproximar. Não seria bem vindo afinal. Então de longe o minerador ficava por admirar a bela dama a cantar. E por algumas noites assim o fez, até que se aproximava o dia em que para as majestosas montanhas deveria retornar. Doía a ideia de partir sem ao menos conhecer seu nome, mas estava em sua natureza aceitar.

E a bela sereia não entendia e passara a observá-lo. Não entendia, pois uma moça sozinha na praia sempre fora uma boa isca, sempre fora o suficiente para atrair sua vitima. E, no entanto, ele permanecia distante noite após noite.

- Olá! – ela acabou por se aproximar.

Sua expressão de confiança lhe fora ensinada, poucos sabiam que sereias temem aos homens tanto quanto eles às temem.

- Olá! – ele respondeu em sincera surpresa.

E ela descobriu seus receios, sonhos e segredos. Ela descobriu sua peculiar personalidade e soube que nele habitava inocência e bondade. E ela se perdeu na profundidade de seu olhar e na beleza de sua alma, e se perdeu em seus próprios pensamentos tortos. Homens eram maus, assim aprendera e vivera muitas vezes, por isso era fácil matá-los.

Ele foi ficando, permitindo ao tempo passar, ela cada vez dava mais passos para longe da proteção do mar. Ele não sabia, mas sentia então o que era amar, enquanto ela temia que pudesse a ele machucar. O minerador aprendia a questionar se precisava mesmo minerar, se as montanhas eram mesmo o seu lugar. Ela aprendia rir e chorar, aprendia a se rebelar.

Descobriram que não precisavam de um único lugar para morar, pois ao mundo poderiam ter. Descobriram que a eles não bastava viver por viver.






Obs. Escrito em 24/12/2014, dedicado a J.L.C., em quem foi inspirado.


Fonte da imagem: http://www.deviantart.com/art/Sunset-at-the-beach-342809701


Mais de um ano se passou desde que este conto foi escrito em conjunto com uma carta cujas palavras já não lembro, mas lembro bem os sentimentos que nela depositei.

É uma pena que o anão minerador tenha para as montanhas retornado, deixando para sua sereia visitar outros mares sozinha. Contudo, muitos bardos poderiam cantar sobre aquele amor, havendo aqueles que digam o sentimento dos dois amantes jamais deixou de existir.