Agonia.
Gritos.
Dor.
Quando trará a vida um novo dia?



O mundo girava em tons de cinza e girava rápido demais, ela queria que o fizessem parar. Sentia que assim iria vomitar. O mundo rodava, mas era pequeno demais para que as paisagens pudessem mudar. Achava que poderia novamente desabar. Seus joelhos seriam incapazes de aguentar.

Ouvia gritos a sua volta e gritava para que pudessem se calar. Sem perceber tornava-se outra aberração para que os loucos em liberdade pudessem curiosamente admirar. Enlouquecia por ter sido denominada louca, gritava porque chorar já não lhe bastava.


Escuridão.
Lágrimas.
Ódio.
Como se compra a liberdade para fora desta prisão?



O mundo era cinza, até mesmo a pouca luz que entrava era escura demais para iluminar. O cinza das paredes a incomodava, a ausência de cores a matava. Fez tinta do próprio sangue para que pudesse sobreviver. Acostumara-se a dor, outro pequeno corte não a faria temer.

Preenchia em vermelho o cinza das paredes, em palavras como outrora fizera com as mais caras tintas no conforto de uma mansão. Vermelho como a cor dos cabelos da bela dama que agora se escondia atrás de cicatrizes e olheiras profundas. Vermelho, a única cor que não ousaram lhe roubar. Bela dama que se escondia atrás do efeito dos choques que faziam seu mundo girar.


Traição.
Saudades.
Tortura.
Doutor, sabes que no inferno te espera pior maldição?



Traída pelo próprio irmão, o insano doutor que escolhera viver em meio à loucura e solidão. Presa numa condição pior que a morte, jogada a própria sorte. Traída pela lucidez em encontrar a verdade que ninguém viu. Traída pela embriaguez de uma sociedade incapaz de assumir a sua maldade.

Nobre senhorita que carregava em si tantos sonhos e vaidades, a habitar mais uma fétida cela marcada por tons de vermelho e cinza. Nobre senhorita antes apaixonada por dias ensolarados, todos os seus dias fizeram-se nublados.

À direita o choro constante de uma mãe que teve seu filho usurpado antes de tê-lo em seus braços, na mesma cela onde solitária ainda habita. À esquerda os gritos em meio aos sonhos agitados de uma menina (de velha alma, mas ainda menina) abusada pelo próprio pai. Na cela em frente o olhar fixo de uma assassina que não se arrepende dos crimes cometidos. Enlouquecer tornou-se sua melhor opção no final.


Perdida.
Esquecida.
Ensandecida.
Posso ainda chamar isso de vida?



- Olá querida irmãzinha, no espetáculo de hoje reservei um papel especial a ti!

Aprendera a lidar com o medo constante que ele lhe causava, a loucura do doutor que um dia ela mesma desacreditara. Fizera-se em ódio, em desejo de vingança. Vingaria todas as almas perdidas naquela insana prisão. Se de nada valiam suas palavras lutaria então com suas próprias mãos.

***


Vestida como uma boneca em um vestido colorido e maquiada em caras maquiagens, até mesmo teve seu cabelo arrumado. Ainda tinha certo valor comercial em meio a toda insanidade, em meio ao espetáculo dos horrores que habitava. Era uma bela dama de família nobre afinal.

Um jantar e visitantes especiais, era tudo o que precisava. Não havia um plano, não pretendia escapar, não queria sobreviver. Seu único desejo era vê-lo sofrer, era fazê-lo entender. Uma faca em mãos, era tudo o que precisava, ainda que sem muita precisão.

Uma faca para cortar a carne assada, mas cortou-lhe a garganta sem hesitar. Não sem deixar de conquistar suas merecidas palavras:

- Me desculpe, Clarissa, confesso que te enlouqueci por vaidade.

E a faca para cortar a carne quente cortou carne fria, cortou a garganta do insano doutor fascinado por novas experiências. Cortou os pulsos da nobre senhorita que um dia sonhara com um mundo justo e finais felizes. Um espetáculo sangrento que nenhum convidado ousaria esquecer.






Fonte da imagem: http://annaprovidence.deviantart.com/art/Hysteria-353704260




Obs. A ideia do conto foi inspirada pela ideia de escrever algo que se ambientasse num canário de hospícios antigos lá do século XIII e XIX.