"Sou um artista e minha obra sou eu" - Lolita Pille



O carro em alta velocidade e minha mãe a tagarelar sobre as barbeiragens de um motorista qualquer. E só me convém pensar que você saberia argumentar, assim como convém questionar se pensa em mim.

O reflexo no retrovisor a me distrair, a mostrar alguém que não sei se sou, alguém que talvez eu possa ser, eventualmente, se convir. Alguém que não sei se diz quem eu realmente sou ou se apenas é o que é, sem trazer a mentes alheias a beleza das duvidas que gosto de carregar.

Uma garota de cabelos ao vento e um tom forte de batom. Um rosto cujos pequenos defeitos até posso disfarçar, se bem me dedicar. E sorrio, talvez por alegria, talvez por vaidade. Poderia fazer-me personagem de alguma crônica ou poesia boba para escrever durante a silenciosa madrugada enquanto toda a minha preocupação é pensar em ti.

E me perco em pensamentos, imaginando as poesias que você faria, caso fosse poeta, caso em mim pensasse, caso haja oportunidades de apresentar-te minhas pequenas manias estranhas (que combinam tanto com as tuas). Perco-me como Narciso perdeu-se um dia, pois talvez você possa amar também aos meus defeitos.

Pois sei que você tem lido o que eu escrevo, lembro que comparou-me a certa escritora, fazendo minha secreta paixão por ti aumentar. Sei que você tem lido, e é por isso que escrevo nesses dias de insuportável calor. Sei que em meio a meus versos e contos tortos pode encontrar pedaços de mim e aos poucos também se apaixonar pela arte que fiz de meus sentimentos e de minha rara vaidade.

Posso me fazer em arte, posso nos refazer em arte. Você pode me encontrar nas palavras em que me perdi?






Obs. Escrito em algum ponto de 2013, inspirado e dedicado à G.M., uma amizade que gostaria que tivesse sobrevivido ao teste do tempo.


O tortuoso caminho do ônibus


Da pedra os bosques brotam
Em uniforme desordem.
A cada esquina as cores esgotam.

E os versos correm,
O asfalto é torto
Faz do poema quase morto,
E os versos escorrem.

Não são pedras no caminho,
Tampouco ovos de passarinho.
Gigantes crateras de carbono
Perduram desde o último outono.

E correm os versos
Descrevem mil universos.

E caem letras pela estrada
Sumindo em poeira dourada.
O pó às palavras devora,
Ao poema o mundo ignora.

Sobrassem as ideias da viagem
Não fosse tão grotesca paisagem.

Da corrupta cidade poluída
Resta-me das rimas a pobreza
Ao percorrer outra avenida.




Fonte da imagem: http://www.deviantart.com/art/the-city-lights-152148064