Memórias de Rabastan Lestrange




Não amo presenciar a dor, não sinto o mesmo prazer no sangue derramado. Os gritos angustiados não me deixam dormir. Há sempre o medo do que virá depois, do que irá nos atingir, do que nos fará parar. Você não vê?Você não sente? Não se recorda de quando o mundo era inocente?

Palavras esquecidas em um papel amarelado, de um tempo passado que será eternamente meu presente. Fecho o empoeirado diário, mas não há muito para fazer. O tempo insiste em não passar. A idade chega e por mais que eu almeje a morte, a vida insiste em ficar. Não tenho família ou amigos, nenhuma profissão para a qual possa retornar ou um passado que possa louvar. Resta-me apenas observar a vida passar lentamente através dessas vidraças maculadas.

Outrora fomos apenas crianças a correr pela casa derrubando caros enfeites. Éramos sorrisos e brincadeiras, enquanto a única maldade que nos ocorria era manchar as paredes de colorido giz de cera. Nostálgicos tempos em que o pior grito que poderíamos escutar era o de nossa mãe raivosa ao perceber o destino infeliz de sua coleção de porcelanas.

Ainda que pouco claras, são as melhores recordações que posso guardar. E agora, o que restou de nossa felicidade? O que restou daquela agradável inocência de acreditar que o mundo é bom para se viver?


Na rua tranquila as crianças continuam a brincar e crescer despercebidamente. Crianças de outra era, de tempos de paz aos quais tão pouco conheci em minha juventude. Continuam a brincar em um mundo de menos preconceitos e mais amores. São filhos de heróis, mas são apenas crianças, apenas a possibilidade de futuras boas lembranças.

Então veio o dia em que tua carta chegou e minha vida foi perdendo suas cores, talvez fosse aquele o começo do fim. Aprenderia a esperar meses inteiros pela tua breve presença nas férias, mas sabia que ser bom irmão não bastava, minha reles presença não lhe agradava.

No mundo ocorriam os primeiros crimes de uma guerra pela qual vendemos nossas almas. Enquanto no começo de minha vida sentia as primeiras desilusões. Deveria aprender, mas não aprendi. Ainda amo-te com a mesma intensidade da criança que havia em mim durante aquelas esperas distantes.


As crianças continuam a crescer, o tempo continua a passar lentamente. Continuam, uma a uma, a abandonar sua doce infância. Trocam as horas de brincadeiras sob a luz do sol pelo anoitecer em risos e conversas abafadas. A cada verão são menos crianças, mas ainda carregam consigo a inocência. Eu sua aparência vejo quase adultos, em sua alma vejo quase crianças.

O mundo está em paz por aqui, e deveria permanecer sempre assim, deveria ter sido sempre assim. Os únicos sons a preencherem minha vazia solidão são as altas gargalhadas a estenderem-se pelo anoitecer.

Em Hogwarts, por um breve tempo, me foi permitido sonhar. Enquanto por aqui você, atencioso irmão, já cuidava dos caminhos que eu deveria seguir.Sabia que eu não recusaria, sabia que meu amor insensato era mais forte que qualquer coragem. Não sabia somente que aos meus onze anos o chapéu propôs-me corvinal e não sonserina.

Deveria ter acatado a primeira opção. Teria evitado fazer de minha própria vida uma eterna maldição. Talvez nesse momento estivesse a curar pacientes ao invés de apodrecer numa prisão.


Tudo permanece iguala qui dentro, apenas a poeira continua a acumular (sobre os móveis, sobre o chão, sobre mim). O mundo continua a girar e nunca imaginei o quanto um final feliz pudesse machucar. Estive do lado errado da história, fui um vilão, não um mocinho. Mas de tudo o que mais dói é não ter feito minha própria opção.

Em teu tolo casamento descobriu a sensação que há muito era parte de mim: ser desprezado por quem se ama, ser apenas o segundo plano.

Dentre todas as noites em que torturei almas inocentes e escondi-me em florestas antes inexploradas, resta-me apenas aquela em que dividiu tua esposa como uma criança pode compartilhar um brinquedo se lhe convier. Era o corpo dela que eu usava, mas o roçar dos teus lábios nos meus o meu prazer despertava. Uma noite de prazer para comprar meu lugar numa cela desta maldita prisão. Uma noite do teu amor em troca de entradas para o inferno.


Aqui, na rua onde nasci e morrerei, a guerra pouco atingiu. Vivo na mesma casa de minha infância e contemplo a paz que sempre almejei. Apenas observo, sem que meus vizinhos conheçam minha indesejável presença. Sem que saibam que ao seu lado bate o coração podre de um assassino liberto.

Jamais amei meu Lorde, jamais amei a guerra ou a morte. Mas joguei fora toda uma vida por um amor impuro. Ainda o amo, mas não mais o temo. Hoje Rodolfo jaz no velho quintal de uma prisão. Mas para mim a liberdade chegou tarde demais.

Já não há sonhos que eu ouse alimentar, já não há alguém para sorrisos compartilhar. Há apenas a idade a avançar, um rosto maculado pela solidão e pela guerra. Há apenas cabelos brancos e descuidados, apenas o mundo a passar pela janela.





Fanfic dedicada ao Lucas. Um singelo presente de amigo secreto mega atrasado.Sei que é bem menos do que você merece, e prometo não esquecer de fazer a carta, ainda que ela demore mais um pouco. E claro, peço desculpas pela demora, não foi proposital, apenas um surto de não-inspiração.



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One Response so far.

  1. Nossa, que coisa mais deprimentemente linda!

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