Sobre Sir Nicholas de Mimsy-Porpington (ou Nick quase sem cabeça)



Mal havia amanhecido, o sol ainda escondia-se atrás da catedral imponente e assustadora. A cidade, contudo, já despertara e a multidão curiosa seguia para a praça. A feira cotidiana daria lugar a um espetáculo onde eu era o protagonista.

Não fui ator ou trovador, contudo eu estava no centro do palco, sentia o peso de centenas de olhares em minha direção. Olhares desaprovadores, inquietos ou curiosos, talvez receosos. Mas não havia compaixão, não havia perdão. Eu era um criminoso, acreditavam que era.

A minha tranquilidade superficial, até então facilmente mantida, desmanchou-se em desespero. Mal percebia o suor a molhar minhas roupas imundas. Apenas sentia o medo correr em minhas veias envenenando cada parte de meu corpo. Medo da dor, medo do que viria depois. Vira batalhas e jamais sentira tão desesperador sentimento.

O carrasco sorria através de sua máscara, e imaginei ver a morte através de seus olhos. O padre orava e pedia a piedade de Deus. Meus próprios pensamentos também faziam-se em orações. Na plateia uma bela dama evitava encontrar meu olhar.

E ali de joelhos diante de minha terra natal senti as lágrimas chegarem novamente. Eu não era santo, não era apenas bondade, mas o verdadeiro assassino sairia impune. Já não sabia em quem acreditar, jamais soube desde então. Queria a certeza de um paraíso, de perdão, de justiça, mas já não havia sentido.

- Talvez doa um pouco. - O carrasco ergueu seu machado.

Senti o coração disparar e o suor misturar-se às lágrimas. Preparei-me para o pior (mas ainda não sabia o que era pior). Doeu, doeu muito. Um, dois, três... dez... jamais iria acabar. Quis correr, desejei que o mundo acabasse. Gotas vermelhas substituíam as lágrimas. A dor começava no pescoço, martelava na mente, percorria o corpo e adentrava a alma.

- Não vai demorar. – Jamais vi minutos tão longos.

Por que tão cruel castigo, Senhor? Qual foi meu pecado? Vinte e dois... Gritei, a dor tomava conta de mim. Encontrei os olhos da dama que amava, havia culpa em seu rosto e a vi chorar e correr para longe. Vi se esvaírem a família que não tive, a vida que não vivi.

Trinta e um, trinta e dois... rezei pela morte. Mal podia gritar sentindo a carne ser tocada pela brisa gelada que outrora acreditei ser abençoada. A dor jamais pararia. O mundo acabaria e eu estaria lá.

Quarenta e cinco golpes. Finalmente o coração desistiu de lutar, ainda que o sangue continuasse a jorrar. No instante seguinte eu estava lá; comtemplando meu próprio corpo, assistindo minha própria morte.

Não havia mais vida ou golpes, não havia mais certezas. Mas toda vez que eu lembrar, a dor continuará lá, ecoando para sempre. Não sei o que é certo e temo seguir em frente. Sinto dúvidas que gritarão eternamente a acompanhar as memórias da pior dor que jamais poderia imaginar. Fantasmas não sentem dor, mas possuem lembranças, e ela estará ali a me perseguir todas as noites vazias da eternidade.